A EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE FORTUNA NO BRASIL
- Escritório Mario R. Dias
- 10 de out. de 2019
- 7 min de leitura
Atualizado: 15 de out. de 2019

Não é novidade que o setor de exploração de jogos é uma grande turbina do turismo mundial. De acordo com a World Lottery Association (WLA), só em 2018 o setor movimentou cerca US$ 500 bilhões, divididos entre a América do Norte (36%), Europa (30%), Ásia e Oriente Médio (22%), América Latina e Caribe (5%), Oceania (5%) e África (1%)[1]. A estimativa é que o valor chegue até US$ 525 bilhões em 2023.
O Brasil, entretanto, se encontra excluído de toda essa movimentação de riqueza, fazendo parte da pequena minoria dos países que ainda não exploram o setor: dos 193 países-membros da ONU, apenas 37 proíbem os jogos.
Adentremos, portanto, em uma análise aprofundada a respeito do contexto histórico que sustenta o atual cenário, das possibilidades de legalização do setor e das consequências sociais de se manter na ilegalidade.
CONTEXTO HISTÓRICO
A história dos cassinos no Brasil iniciou em 1920, quando o então presidente Epitácio Pessoa liberou a exploração de jogos para fomentar o turismo. O imposto arrecadado com os jogos custeava obras de saneamento básico no interior do país. Entretanto, o setor era restrito às estâncias turísticas e elitizadas, sendo absoluto o controle governamental: os cassinos eram uma concessão que poderia ser extinta a qualquer momento.
Nesse contexto, Getúlio Vargas chegou ao poder em 1930 e, apesar do perfil autoritário de seu governo, tomou medidas de incentivos aos jogos por uma série de decretos que estimulavam a construção dos estabelecimentos. Os jogos de azar se popularizaram e fortaleceram o turismo nacional, já que os cassinos eram grandes complexos de entretenimento, que geraram milhares de novos empregos e fomentaram, em larga escala, a economia brasileira.
Em outubro de 1945, no fim do Estado Novo, Vargas foi derrubado, sendo eleito presidente o general Gaspar Dutra, que tomou posse em janeiro de 1946. Em três meses de gestão, Dutra traiu seus apoiadores, os donos de cassinos que lhe prestaram apoio durante a campanha - já que seu opositor havia prometido fechar os estabelecimentos - ao publicar o decreto de 30 de abril de 1946, que proíbe todos os tipos jogos de azar em território nacional.
A justificativa jurídica – que vige até hoje - é que “os jogos são nocivos a moral e aos bons costumes e que a tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro é contrária aos jogos”[2]. Além disso, os historiadores afirmam que a primeira dama Carmela Dutra, católica devota, foi quem pressionou o marido a publicar a lei proibicionista.
Não houve estudo sobre o impacto na economia brasileira, a arrecadação de impostos gerada pelo setor, os milhares de empregos diretos e indiretos dependentes dos jogos, a liberdade de escolha ou até mesmo os supostos prejuízos causados pela jogatina. Foi uma mera deliberação infundada e autoritária.
Como consequência, mais de 70 casas de apostas ao longo do Brasil fecharam. Estima-se que mais de 55 mil trabalhadores perderam seus empregos, como recepcionistas, seguranças, cozinheiros, garçons, faxineiros, técnicos de máquinas, músicos, dançarinos, dentre outros[3].
ATUAL CENÁRIO
Feita a breve análise histórica, adentremos na situação atual dos jogos de exploração de fortuna no Brasil. A priori, cumpre destacar que o jogo de azar no Brasil não é proibido. A Lei das Contravenções Penais[4], através do seu art. 50, é dirigida apenas à iniciativa privada.
O governo federal exerce um monopólio por meio da Loteria Federal (via Caixa Econômica Federal) e dos governos estaduais (como a Loterj). Ademais, a atividade lotérica foi definida como um “serviço público” no art. 20 do decreto n° 21.146/1932[5], ainda que se trate de atividade econômica típica que deveria ser protegida pelos princípios constitucionais da economia de mercado, da livre concorrência, da liberdade de iniciativa e da propriedade privada.
Não por outro motivo, o assunto já é pauta do Congresso Nacional. Em 2016, foi constituído o “Marco Regulatório dos Jogos”[6], um substitutivo de autoria do deputado Guilherme Mussi (PP-SP) que compila 14 projetos de Lei de conteúdo similar para autorização e regulamentação da exploração de jogos de fortuna, que são classificados em: jogos de cassino; jogo de bingo; jogos lotéricos; jogo do bicho e apostas.
O projeto traz aspectos bastante progressistas em relação à matéria. É interessante observar que a lei coloca como dever da União o estímulo para expansão de jogos, a criação de oportunidades de investimento e a adoção de medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, já que hoje são limitados às lotéricas federais e estaduais. Ademais, há parâmetros que devem ser observados para execução da atividade, como a probabilidade certa; a aleatoriedade segura; a objetividade das regras e a transparência.
Entretanto, o projeto ainda nutre aspectos conservadores, como no caso dos jogos online, já que mantém expressamente proibida a exploração de jogos de fortuna pela internet e prevê o bloqueio de todo e qualquer sistema eletrônico estrangeiro que ofereça o serviço no Brasil. É importante atentar que justamente o setor de apostas online é um dos maiores atrativos aos jovens brasileiros, que já movimentam em larga escala o setor pela aposta em sites com jurisdições estrangeiras não fiscalizadas.
Ademais, a lei limita a exploração da atividade aos estabelecimentos previamente autorizados pela União, como cassinos e estádios de futebol, sendo proibida a instalação de máquinas de jogos em outros ambientes de entretenimento, como bares, shoppings ou restaurantes. Isso limita a concorrência aos grandes agentes econômicos, já que as instituições menores dificilmente conseguirão enfrentar as barreiras de regulamentação por não ser autorizada, por exemplo, a instalação de máquinas individuais em estabelecimentos de outros setores.
Quanto à questão de fiscalização, que é bastante questionada pelos ativistas contrários a exploração do setor, a lei define que os estabelecimentos licenciados façam parte de um sistema interligado ao sistema da autoridade fiscal e prevê a criação de um software de administração do governo para controle e acompanhamento das apostas, das receitas, despesas e de pagamentos de prêmios aos apostadores, o chamado Sistema de Gestão de Controle (SGC).
Outro fator abordado é a respeito dos já acusados da prática ilegal dos jogos de fortuna. A lei prevê a anistia a todos os que exploraram a atividade durante a legislação anterior, sendo extintos todos os processos judiciais em tramitação. Certamente é um ponto positivo, tendo em vista que o judiciário brasileiro, especialmente a esfera penal, é saturado com milhares de processos judiciais com impacto social mais relevante que poderão ser priorizados.
Ademais, com relação ao caráter social, a lei dá destaque ao “jogo responsável” e prevê a criação de um cadastro nacional de portadores de ludopatia, a doença que consiste no vício pelo jogo. Os registrados nesse cadastro serão proibidos de adentrarem nos estabelecimentos licenciados, o registro poderá ser solicitado por ação judicial feita pelos familiares do ludopata.
Em síntese, o Marco Regulatório dos Jogos já foi aprovado em Comissão Especial na Câmara dos Deputados e segue para análise no plenário, que deverá ser pautado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Em recente entrevista, Maia admitiu ser um forte aliado na defesa dos jogos e defende que a implantação de cassinos integrados a hotéis pode resultar na criação de cerda de 300 mil empregos no país, além de resultar em uma arrecadação de até R$ 25 bilhões para os governos[7].
A respeito do atual governo, também há avanços na matéria. Na quinta-feira (19/09/2019), o ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni, no evento da Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA), afirmou que pretende trabalhar na legalização dos cassinos, especialmente através de uma proposta de conceder autonomia aos estados para decidirem a questão. De acordo com o ministro, isso aceleraria o processo de configuração dos cassinos, principalmente em áreas turísticas, e deve ser tratado junto com as mudanças nas regras do pacto federativo, previstas para 2020.[8]
POR QUE DEVERIAM SER LEGALIZADOS?
No atual cenário frágil da economia brasileira, ambos os lados encontram-se pressionados. O Estado tem um orçamento fixado em problemas estruturais constitucionais e busca soluções nas reformas legislativas para diminuição de gastos, ao passo que o índice de desemprego é alarmante e o cidadão busca constantemente novas alternativas para geração de renda e riqueza. Assim, de forma contraditória, é mantido na ilegalidade um setor com alto potencial de desenvolvimento, o que faz com que o Estado deixe de arrecadar impostos e limita a criação de novos empregos, sendo o principal prejudicado o cidadão brasileiro.
Isso impacta diretamente na economia brasileira. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Jogo Legal, se permitida a volta dos bingos e cassinos, o país arrecadaria cerca de R$ 20 bilhões por ano de tributos.
Manter o setor na ilegalidade não faz com que a exploração dos jogos deixe de existir, mas tão somente que deixem de trazer impactos positivos para a sociedade. Os jogos de fortuna movimentem, por ano, de maneira ilegal, cerca de 20 bilhões de reais, distribuídos em mais 350 mil pontos de jogo por todo o país. Valor muito superior ao que arrecadam os jogos oficiais no país, algo em torno de 14 bilhões de reais, distribuídos em apenas 13 mil lotéricas.
No entanto, toda riqueza gerada não passa por qualquer tipo de controle ou tributação, já que as casas de jogos sobrevivem por um sistema alternativo às fiscalizações da administração pública e os sites nos quais cidadãos brasileiros formulam suas apostas são sediados em outras jurisdições.
É evidente, portanto, que a legalização contribuirá para diminuir a informalidade de empregos e fortalecerá a economia nacional. Além disso, pode ser uma excelente estratégia para desenvolver regiões apagadas e proteger o cidadão e sua liberdade de escolha.
REFERÊNCIAS:
[1] Pesquisa realizada pelo Instituto Jogo Legal. Disponível em: http://www.institutojogolegal.com.br/Home/Conteudo/NossaCausa
[2] BRASIL. Decreto-lei n° 9.215, de 30 de abril de 1946. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del9215.htm
[3] SENADO FEDERAL. Quando as roletas param de girar. Rádio Senado. 2016. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/reportagem-especial/quando-as-roletas-pararam-de-girar . Acesso em 25 de set. de 2019.
[4] BRASIL. Decreto-lei n° 3.688, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm
[5] BRASIL. Decreto ° 21.146, de 10 de março de 1932.. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-21143-10-marco-1932-514738-publicacaooriginal-1-pe.html
[6] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1481725&filename=SBT+3+PL044291+%3D%3E+PL+442/1991
[7] Dados do IJL, Instituto do Jogo Legal. Matéria disponível em: https://jornaldebrasilia.com.br/politica-e-poder/regulamentacao-de-cassinos-pode-gerar-arrecadacao-de-r-25-bilhoes-diz-maia/. Acesso em 25/09/2019.
[8] Disponível em: https://www.jornalnh.com.br/_conteudo/noticias/rio_grande_do_sul/2019/09/2500892-liberacao-de-jogos-de-azar-e-cassinos-estao-na-pauta-do-governo-federal--afirma-onyx.html. Acesso em 25/09/2019.
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